No sul de Acapulco, helicópteros passam apontando metralhadoras aos banhistas. O feriado é interrompido pelo espetáculo da violência urbana. Acapulco é agora uma espécie de Rio de Janeiro, ou seja, uma metrópole turística hiperviolenta em um paraíso a beira-mar. Como no Rio de Janeiro, o problema não é apenas o narcotráfico: crescimento desproporcional e descontrolado descentralizou a cidade.
A forma de construção que prejudicou a baía de Acapulco está se repetindo ao sul, longe do centro da cidade. Os complexos residenciais invadem a praia, deixando uma rua ‘costeira’ com Wall Marts e centros comerciais. As pessoas que antes passavam suas férias na região, a chamada Diamante, já não vão mais à baía. “O velho Acapulco? Há anos não vou para lá!”
Assume-se que a chegada dos militares ajudaria a estabelecer a calma na baía. No entanto, segundo alguns moradores locais, a presença do Exército é espetacular: foca-se nas praias onde encontram-se os novos desenvolvimentos e onde vivem pessoas mais influentes.
No velho Acapulco, onde há a necessidade de segurança, não se vê os militares, tudo fica desértico após as 18h. É uma espetacularização da violência: ninguém espera que o helicóptero acima vá agir contra os banhistas, o efeito é um efeito estético.
Isso se explica porque Acapulco, desde sempre, tem sido presa de um voraz e irresponsável turismo. Depois de contaminar o mar da baía, os pontos turísticos mais requisitados estão migrando para o sul, deixando a famosa baía desértica e em má manutenção. Com resposta, os antigos hotéis perderam seu símbolo de status, pois não podem competir com os desenvolvimentos monumentais que se dão ao sul da cidade.
A escassa vida pública que esta cidade tinha, já não existe – ela mudou do centro da cidade. O vento sul de desenvolvimento de Acapulco se dá por meio de investimentos construídos em Puerto Marqués e Playa Diamante. Estes conjuntos, mundos ensimesmados, têm absolutamente tudo para que nunca tenha que sair do lugar. A exclusividade é mantida por meio de cabines policiais que fecham o acesso à rua. No caso de Puerto Marqués, a construção se dá apesar das críticas sobre a poluição do mar. Puerto Marqués é composto por um povo valente que havia lutado contra esta construção por muitos anos. Mas, como disse um de seus moradores locais, “já não podemos reclamar, se não te matam”.
É que, no Acapulco turístico, a vida pública sempre aconteceu em espaços privados. Os resorts, destinos ensimesmados, não-lugares, onde as piscinas e lobbies serviam como espaços sociais por excelência. Os ‘indesejáveis’ eram negados na entrada por motivo de segurança do hotel. Neste sentido, o segurança é a maior tradição da cidade. E a fórmula não se esgotou. Os novos investimentos “all-inclusive” são a resposta e a causa da falta de espaços públicos na rua. O enfoque no privado – juntamente com a corrupção na política - tem feito com que o crescimento de Acapulco tenda a privatizar cada vez mais suas praias e vida social em geral.
Esta é a velha história mexicana: a corrupção e os interesses imediatos vencem sobre o planejamento a longo prazo. Hoje, quase todo terreno próximo ao mar está privatizado. Os edifícios bloqueiam o acesso público às praias, discriminando o acesso por fatores econômicos, religiosos e até raciais.
Um dos exemplos contemporâneos de como a vida pública de Acapulco é dada em particular se chama “La Isla”. Este centro comercial, auto denominado como “Shopping Village” pelos seus investidores, encontra-se muito longe de lugares clássicos do turismo nacional como a Playa Condesa na costa. Seu objetivo é precisamente atender a estes lugares. Perante a falta de um lugar público, pessoas inventam espaços fantásticos para socializarem.
La Isla é um mundo à parte, um ambiente kitsch no qual a vida transcorre com “naturalidade”. Ao entrar ali, o visitante é transportado a um mundo mágico de canais de água onde circula gôndolas venezianas manejadas por piratas com papagaios verdes sentados docilmente em seus ombros.
La Isla é uma bolha, a violência da cidade fica de fora. É um Truman’s World dentro do qual agentes de segurança privada (em kakis-safaris africanos) e câmeras em todos os lugares brindam um certo sentimento de segurança. Pelo preço de um boleto de estaciomento se pode adquirir tal conforto. O complexo arquitetônico parece dizer aos visitantes: “Lá fora estão matando, mas aqui você pode comprar com segurança”.
Neste “povoado” encontra-se a vida noturna de Acapulco, fora de Acapulco. Carlos and Charlie’s, uma rede de restaurantes, tinha uma filial em plena praia costeira, agora, seu espaço no centro comercial de La Isla é o único restante deste lugar. A noite os fãs de Luis Miguel flertam com as meninas como se estivessem na praia, mas basta olhar para ver que eles estão gastando a noite num shopping.
O “velho Acapulco”, estas palavras antes designavam uma parte da baía, agora designam sua totalidade. A razão: o desenvolvimento turístico desenfreado que negou a história e a unidade desta cidade. Em alguns anos a mancha urbana de Acapulco chegará até muito mais abaixo, e a exclusividade moverá mais e mais ao sul. Se não for desenvolvida uma política de turismo a longo prazo que resgate os diferentes focos turísticos de Acapulco, este continuará sendo um vazio, uma baía com pessoas vivendo ali, mas sem vida pública ou social de qualidade.
Texto e vídeo por Alan Grabinsky (Steinhardt School of Culture, Education and Human Development. MA Student in Media, Culture and Communications 2011-2013, New York University) via Plataforma Urbana. Tradução Archdaily Brasil.